Frida Kahlo: dor e paixão eternizados em autorretratos
No folclore mexicano, acredita-se que a cor azul pode espantar os “maus espíritos” e acontecimentos indesejáveis. O alemão Wilhelm Kahlo, fotógrafo radicado no México, que havia casado com Matilde Calderón, descendente de indígenas, levou a sério essa tradição quando pintou sua casa situada na periferia da capital do país com um azul royal vivíssimo, no início do século XX. Três anos após a construção do local, em 1907, nasce sua terceira filha, Frida, no dia seis de julho. É na “casa azul” que ela morou a maior parte de seus 47 anos de vida e onde alguns “maus espíritos” batalharam para dificultar a vida de uma das maiores autoridades das artes plásticas nos estilos realista e surrealista, do século XX.
Aos seis anos, Frida contraiu poliomelite e a sequela da doença se tornou sua companheira: teve má formação no pé e na perna direita que era mais fina e dificultava sua caminhada. Aos 18 anos, quando voltava da escola na companhia de um amigo, o ônibus que ela estava foi atingido por um bonde e, dessa vez, as sequelas do acidente determinaram mais do que o seu caminhar: uma barra de ferro atingiu a mexicana provocando uma fratura na coluna, nas pernas e esmagou a pélvis.
A fratura limitou as possibilidades de dar à luz a uma criança, já que o dilaceramento dos órgãos internos impedia o crescimento normal do feto e a realização do parto normal. Após o acidente, por conta do longo período internada no hospital e imobilizada, ela se dedicou aos desenhos e iniciou a descoberta de um estilo que marcaria definitivamente a arte: a autobiografia em forma de pintura.
Quando Frida vira frisson
Hoje, o falar de Frida, é quase impossível não lembrar algum de seus autorretratos com o rosto marcado pela sobrancelha espessa, os olhos e os cabelos negros adornados com flores e outros elementos que variam de acordo com o período em que o quadro foi concebido. A publicidade em torno da vida da artista, na maioria dos casos em detrimento de suas obras que chegam a quase 150 itens, sendo mais de 50 autorretratos, é um fenômeno recente mas arrebatador, potencializado pelo conteúdo disponível on-line e a facilidade de acesso às informações. Desde o fim da década de 1970, ela ganhou mais atenção e espaço nas galerias de arte do México, inicialmente, em um movimento de reconstrução de sua memória pessoal e profissional, por meio da exposição dos registros fotográficos, de diários pessoais escritos e ilustrados por ela e de suas pinturas.
Mas esse frisson é posterior a sua morte, no ano de 1954, e de seu esposo, Diego Rivera, artista plástico especialista em murais, considerado referência nesse estilo no México e nos Estados Unidos que faleceu três anos depois, em 1957. A obscuridade da produção artística dela predominou, no México, por mais de duas décadas após o seu falecimento, mesmo com a transformação da “casa azul” em um museu, em 1958. A supervalorização de aspectos de sua personalidade considerada “exótica”, a espetacularização dos romances extra-conjugais dela e do marido se tornaram mais interessantes para construir a figura “mítica” da artista e algumas características fundamentais para compreendê-la acabaram ficando invisibilizadas, como a sua militância política no Partido Comunista Mexicano ou a valorização e defesa das tradições indígenas dos povos mexicanos.
Por ser uma trajetória autobiográfica, é preciso conhecer o contexto das obras para perceber a relação entre uma ilustração, por exemplo, de duas pernas legendada pela frase “Pies para qué los quiero si tengo alas pa’ volar” (Pés para que os quero se tenho asas para voar) e uma das 32 cirurgias realizadas em diversas partes do corpo da pintora. Em 1953, quando desenhou a ilustração em seu diário, Frida teve a perna direita amputada até o joelho.
Ilustração registrada em um dos diários, em 1953, e Autorretrato con Monos, de 1943, em exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Crédito das fotos: reprodução e Guelman Collection.
A dor e a paixão podem ser considerados os sentimentos mais latentes quando se pesquisa sobre a vida de Frida que sofreu três abortos espontâneos no período em que viveu nos Estados Unidos, entre os anos de 1930 e 1934. Um dos quadros mais conhecidos da artista, “Henry Ford Hospital” ou “La cama volando”, de 1932, retrata um desses momentos dramáticos com originalidade que provoca desconforto e fascínio em quem visualiza sua obra pela primeira vez. Na tela, circundada pelos fios vermelhos que unem as imagens como cordões umbilicais, está a mexicana, pequena, em relação ao tamanho da cama e devastada pela perda do filho. Ao fundo, o cenário inóspito de uma cidade industrial que potencializa a sensação de solidão.
As diversas facetas de Frida são autorretratadas durante vários momentos de sua vida, de felicidade, tristeza, dor, ódio, decepção, que aproximam o espectador da figura humanizada representada nas telas e nas ilustrações da artista que influenciou gerações de artistas do México e de outros países.
Apesar de não ter nenhuma tela da artista em coleções permanentes de museus brasileiros, é possível conhecer um pouco da trajetória da mexicana e de artistas plásticas brasileiras e estrangeiras admiradoras de seu estilo até o dia 19 de janeiro de 2016, na exposição ” Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México”, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista.
No total, cem obras estão expostas, sendo 20 telas e 13 desenhos de autoria da homenageada, cedidos por museus mexicanos para a mostra. Se a “casa azul” está um pouco longe para conhecer a intimidade de Frida bem de perto, a exposição é uma oportunidade para apreciar suas telas e de suas admiradoras.
Para mais informações sobre a mostra, acesse o site do Instituto Tomie Ohtake e confira os horários disponíveis para visitação. Os ingressos podem ser comprados on-line pela página.
No folclore mexicano, acredita-se que a cor azul pode espantar os “maus espíritos” e acontecimentos indesejáveis. O alemão Wilhelm Kahlo, fotógrafo radicado no México, que havia casado com Matilde Calderón, descendente de indígenas, levou a sério essa tradição quando pintou sua casa situada na periferia da capital do país com um azul royal vivíssimo, no início do século XX. Três anos após a construção do local, em 1907, nasce sua terceira filha, Frida, no dia seis de julho. É na “casa azul” que ela morou a maior parte de seus 47 anos de vida e onde alguns “maus espíritos” batalharam para dificultar a vida de uma das maiores autoridades das artes plásticas nos estilos realista e surrealista, do século XX.
Aos seis anos, Frida contraiu poliomelite e a sequela da doença se tornou sua companheira: teve má formação no pé e na perna direita que era mais fina e dificultava sua caminhada. Aos 18 anos, quando voltava da escola na companhia de um amigo, o ônibus que ela estava foi atingido por um bonde e, dessa vez, as sequelas do acidente determinaram mais do que o seu caminhar: uma barra de ferro atingiu a mexicana provocando uma fratura na coluna, nas pernas e esmagou a pélvis.
A fratura limitou as possibilidades de dar à luz a uma criança, já que o dilaceramento dos órgãos internos impedia o crescimento normal do feto e a realização do parto normal. Após o acidente, por conta do longo período internada no hospital e imobilizada, ela se dedicou aos desenhos e iniciou a descoberta de um estilo que marcaria definitivamente a arte: a autobiografia em forma de pintura.
Quando Frida vira frisson
Hoje, o falar de Frida, é quase impossível não lembrar algum de seus autorretratos com o rosto marcado pela sobrancelha espessa, os olhos e os cabelos negros adornados com flores e outros elementos que variam de acordo com o período em que o quadro foi concebido. A publicidade em torno da vida da artista, na maioria dos casos em detrimento de suas obras que chegam a quase 150 itens, sendo mais de 50 autorretratos, é um fenômeno recente mas arrebatador, potencializado pelo conteúdo disponível on-line e a facilidade de acesso às informações. Desde o fim da década de 1970, ela ganhou mais atenção e espaço nas galerias de arte do México, inicialmente, em um movimento de reconstrução de sua memória pessoal e profissional, por meio da exposição dos registros fotográficos, de diários pessoais escritos e ilustrados por ela e de suas pinturas.
Mas esse frisson é posterior a sua morte, no ano de 1954, e de seu esposo, Diego Rivera, artista plástico especialista em murais, considerado referência nesse estilo no México e nos Estados Unidos que faleceu três anos depois, em 1957. A obscuridade da produção artística dela predominou, no México, por mais de duas décadas após o seu falecimento, mesmo com a transformação da “casa azul” em um museu, em 1958. A supervalorização de aspectos de sua personalidade considerada “exótica”, a espetacularização dos romances extra-conjugais dela e do marido se tornaram mais interessantes para construir a figura “mítica” da artista e algumas características fundamentais para compreendê-la acabaram ficando invisibilizadas, como a sua militância política no Partido Comunista Mexicano ou a valorização e defesa das tradições indígenas dos povos mexicanos.
Por ser uma trajetória autobiográfica, é preciso conhecer o contexto das obras para perceber a relação entre uma ilustração, por exemplo, de duas pernas legendada pela frase “Pies para qué los quiero si tengo alas pa’ volar” (Pés para que os quero se tenho asas para voar) e uma das 32 cirurgias realizadas em diversas partes do corpo da pintora. Em 1953, quando desenhou a ilustração em seu diário, Frida teve a perna direita amputada até o joelho.
Ilustração registrada em um dos diários, em 1953, e Autorretrato con Monos, de 1943, em exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Crédito das fotos: reprodução e Guelman Collection.
A dor e a paixão podem ser considerados os sentimentos mais latentes quando se pesquisa sobre a vida de Frida que sofreu três abortos espontâneos no período em que viveu nos Estados Unidos, entre os anos de 1930 e 1934. Um dos quadros mais conhecidos da artista, “Henry Ford Hospital” ou “La cama volando”, de 1932, retrata um desses momentos dramáticos com originalidade que provoca desconforto e fascínio em quem visualiza sua obra pela primeira vez. Na tela, circundada pelos fios vermelhos que unem as imagens como cordões umbilicais, está a mexicana, pequena, em relação ao tamanho da cama e devastada pela perda do filho. Ao fundo, o cenário inóspito de uma cidade industrial que potencializa a sensação de solidão.
As diversas facetas de Frida são autorretratadas durante vários momentos de sua vida, de felicidade, tristeza, dor, ódio, decepção, que aproximam o espectador da figura humanizada representada nas telas e nas ilustrações da artista que influenciou gerações de artistas do México e de outros países.
Apesar de não ter nenhuma tela da artista em coleções permanentes de museus brasileiros, é possível conhecer um pouco da trajetória da mexicana e de artistas plásticas brasileiras e estrangeiras admiradoras de seu estilo até o dia 19 de janeiro de 2016, na exposição ” Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México”, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista.
No total, cem obras estão expostas, sendo 20 telas e 13 desenhos de autoria da homenageada, cedidos por museus mexicanos para a mostra. Se a “casa azul” está um pouco longe para conhecer a intimidade de Frida bem de perto, a exposição é uma oportunidade para apreciar suas telas e de suas admiradoras.
Para mais informações sobre a mostra, acesse o site do Instituto Tomie Ohtake e confira os horários disponíveis para visitação. Os ingressos podem ser comprados on-line pela página.
Acessos: 0