Associada divulga literatura em site pessoal
Vinicius de Moraes, Arnaldo Antunes, Guimarães Rosa e José Saramago , esses são alguns dos nomes que podemos encontrar no site “Parto de Palavras”. Criado pela servidora e associada da 1ª Região, Rosane Coelho, o site é uma compilação de grandes nomes da literatura, fotos plásticas e poesias escritas pela própria Rosane.
Calculista no Tribunal do Trabalho, Rosane divide a si mesma em duas. Do trabalho com os números surge a persona (nome da máscara que os atores do teatro grego usavam), do trabalho com as palavras e do estudo da psicanálise (Rosane é psicanalista) surge sua verdadeira identidade.
Sobre o Espaço Cultural, a servidora o enxergou com uma luz no fim do túnel, uma quebra na rotina. “Nossos Regionais desenvolvem páginas com inúmeras informações: todas ligadas a assuntos de trabalho. Parece que a vida dos servidores se resume ao ganha-pão da Justiça. Fica tudo muito apequenado, e a gente vai se acostumando a esse mundinho de processo, sem nos empenharmos em diversificar as atividades e ampliar horizontes.”, diz.
Os apreciadores da boa palavra, não podem deixar de conferir o site!
http://www.rosanecoelho.prosaeverso.net/
Aparências
Por Roberson Santos
“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam”;
tocava na rádio a versão gravada pela Elis Regina; e o
Figueira ouvindo, confortavelmente deitado em sua cama;
doce olhar de agradecimento daquela velhinha que o
Figueira ajudou a atravessar a rua; ele é assim mesmo:
adora ajudar os outros; quase perdeu a vida tentando salvar o
cachorro de um colega de trabalho; na verdade, o
cachorro morreu porque ali, naquela situação, só o
corpo de bombeiros; mas foram confiar na suposta infalibilidade do
Figueira e deu no que deu; a Jordana se derrete toda com a voz
suave do Figueira, falando sempre em baixíssimo tom, um gentleman
sem igual; na Inglaterra seria considerado um autêntico lord e certamente
a rainha Elizabeth não hesitaria em condecorá-lo sir; não
fazem mais homens como antigamente; a não ser raríssimas e
preciosas exceções como, obviamente, o Figueira; ele enobrece a
raça humana; digno de ovações diárias; que o diga a própria
chefia dele; sempre educado, cortês, polido e todos esses
similares que encantam aos olhos de todos; realmente: ele é
encantador; um encanto de ser humano; a dona Clotilde e o seu
Tavares, clientes antigos da empresa onde o Figueira trabalha,
não se cansam de lhe tecerem elogios; “o senhor é mesmo
um legítimo cavalheiro”; “imagina, o que é isso; são os seus olhos”,
ele sempre responde; cede sempre o lugar pro outro sentar seja
quem for esse outro; deixa passarem na frente dele na fila
do que quer que seja; o Zequito, um dos faxineiros da empresa
onde ele trabalha, tem inveja dele porque é explosivo; já se deu mal
em tanta briga que causou; e a esposa do Souza, colega de
setor do Figueira, vive dizendo pro marido que se ele fosse um milésimo
da gentileza e educação do Figueira, ela seria a mulher mais
feliz de todo o universo; mas quem diz que ele consegue?
só xinga e grita; parece a ressurreição do homem das cavernas,
fedendo mais por dentro do que por fora; “o Figueira não,
é cheiroso até na alma”, diz ela, deixando o marido
mais pra baixo ainda; o Figueira é o galã das mulheres de
todas as gerações sem precisar ser ator de cinema
nem de novela; e que admiração ele despertou ao demonstrar
infinita paciência com um cliente extremamente grosseiro
que até o xingou com palavras de baixíssimo calão
mesmo, sendo que o Figueira não tinha culpa
alguma; e mesmo que tivesse; ele é a personificação da
calma, da tranqüilidade, da paz, da mansidão, do bem-
estar; paciência é com ele mesmo; tem um longo, longo, longo
ânimo…longuíssimo…eterno…divino…talvez seja sua
maior virtude porque ser paciente, hoje em dia, é
mesmo algo absolutamente divino; esse auto-controle, esse
domínio próprio dele só pode vir dos céus; causa espanto
e, ao mesmo tempo, total veneração; sim, é algo que
desperta veneração mesmo; bendito Figueira; apazigua
brigas e discussões, é um verdadeiro anjo; homem
bom; incapaz de uma só atitude mais exaltada, um pouquinho
só que seja; jamais; nunca; nem em mais remoto pensamento; seria
o completo manchar de um caráter absolutamente
irrepreensível; imaculado; quase beirando ao caráter de
Cristo; muitos dizem mesmo que esse sim é um
verdadeiro cristão; as pessoas deveriam aprender com
ele; é um exemplo a ser seguido; por todos; imagine
só: arriscar a própria vida pra tentar salvar o animalzinho de
estimação de um colega de trabalho; é o supra-sumo; a
sublimidade; a estatura plena de uma alma absoluta, completa,
total, inteiramente elevada; a dona Elinah é uma velhinha
que aposentou-se fazem já vinte anos, mas continua
ajudando lá no RH da empresa porque aquilo
ali foi a vida dela durante anos e anos; o
Figueira diariamente a ajuda a entrar e a sair do
elevador e puxa a cadeira dela pra ela sentar-
se; ela o tem como um filho de gestação tardia, madura;
um filho que já nasceu pronto, com a alma pronta;
tem um carinho todo especial pra com ele; o bajula
como se fosse vó de primeira viagem; sempre lhe traz seus
deliciosos quitutes; o Figueira é o tipo de pessoa
que ou desperta inveja logo de uma vez ou profunda
admiração; outro dia, ele chegou tarde em casa
porque levou a dona Elinah até à casa dela; o carro
dela estava no vidraceiro e ela foi até à empresa
de táxi; ele prontamente se disponibilizou pra levá-
la até em casa no fim do expediente; imagine só
se a deixaria voltar de táxi; e nos dois dias subseqüentes
saiu mais cedo de casa e, também, chegou mais tarde porque
o serviço do vidraceiro ainda não estava concluído e
ele buscou e trouxe de volta pra casa a dona Elinah;
disponibilidade é uma palavra sempre presente na alma do
ser do Figueira; é como se ele tivesse nascido pra
isso; não é só um talento não, é mais do que
isso: é vocação; é um chamamento divino pra servir;
está sempre disponível pra servir; seja em qual
situação for; faça sol ou faça chuva; chova pedra ou
canivete; sempre disponível; sempre servindo;
parece que ele é vários em um só; é como o milagre da
multiplicação dos pães ou o milagre da
transformação da água em vinho; um conto de
fadas bem presente; nada irreal; absolutamente real
e verdadeiro; completamente; inteiramente; o que será que
Deus pensou quando fez o Figueira? “esse sim
me servirá”; ou “servo bom e fiel: seu galardão será
multiplicado nos céus”; longe isso do
Figueira: ele não faz as coisas pra receber
galardão; com ele não tem essa de ‘uma mão lava a
outra’; ambas se lavam mutuamente; é um lavar
contínuo, prazeroso, perseverante; e ele
jamais se engrandeceria; jamais; é humilde até ao
talo; a glória jamais é pra ele, senão dividida
entre os demais; raridade; complexidade de vida
jamais vista; talvez comparável a uma madre Teresa de
Calcutá ou a um Mahatma Gandhi; esse é o
Figueira que, certa ocasião, estava na casa
dele a dona Clementina, uma senhora que o conhece
há anos sem que ele mesmo saiba; ela é uma
das cozinheiras do restaurante da empresa onde
o Figueira trabalha e nutre profunda reverência por
ele; a faxineira da Anabele, esposa do Figueira,
a conhece e sabe que ela é uma doceira de mão cheia;
era o décimo quarto aniversário da filha deles, a
Lucinha, a Anabele queria uma festa inesquecível e até
encomendou os docinhos da dona Clementina;
e ficou envergonhada até à alma como ela
sempre fica: a dona Clementina estava na cozinha
com a Anabele, ouvindo os gritos que o
Figueira dava a plenos pulmões com a Lucinha
porque a garota pegou um dos CD’s dele de
música pop dos anos oitenta, pois
queria que este CD fizesse parte dos CD’s que
seriam tocados em sua festa; não deu outra:
CD fora do lugar, explosão do Figueira na certa,
com direito a palavrões e tudo: “puta que
pariu! quem mandou você pegar o meu CD,
Lucinha?! quem mandou?!”; e a dona
Clementina, na cozinha, surpresa como quem
se surpreende com algo que nem em
pesadelo ousaria sonhar porque seria o
mesmo que cometer blasfêmia, macular o
imaculado, corromper o incorruptível, só pensava:
“meu Deus! é só aparência!”
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