“Todo poema se completa quando encontra um leitor”, afirma servidora do TRT-17
“Escrevo para acessar uma parte de mim que não seria possível de outro modo, para saber quem sou. E quem não sou. Escrever é um processo de constante construção e desconstrução de si.” Lara Pinheiro, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, do Espírito Santo, sabe quem é quando atua na função de Oficial de Justiça que exige, para ela, “um constante movimento para fora, para as ruas e ao encontro de outros”, disse.
Para ela, a escrita surgiu após o amor pelos livros “como uma necessidade imperiosa de expressão, de dizer algo que não se sabe o que é e nem de onde vem, mas que se impõe como uma força da qual não se pode escapar”, explica. Lara se lembra com clareza do primeiro livro que ganhou, aos sete anos, “As Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, responsável por “abrir as portas para as palavras. Desde então, sedenta pelas histórias que me transportavam para um mundo mágico, infinitamente mais interessante do que o meu mundo real, passei a buscar mais e mais… livros.”
Quando se fala em versos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto são as referências mais marcantes para Lara, que acompanham a servidora até hoje mas há espaço para novas descobertas como a poeta polonesa Wislawa Szymborska. “Existe apenas um livro seu traduzido para o português, por Regina Przybycien, pela Editora Companhia das Letras. É uma coletânea composta de 44 magistrais poemas! Na prosa, a escrita intimista e mística de Clarice Lispector teve profunda influência em minha disposição diante do mundo, da vida. Clarice buscou apreender, com a palavra, a vida mesma em sua pulsação. E Guimarães Rosa, com o seu “Sertão” físico e metafísico, fez a linguagem transbordar em neologismos. Sua genialidade inventiva criou mundos! Ele dispensa comentários”, afirma.
Entre os escritores estrangeiros, ela cita os mestres da literatura russa Dostoiévski e Tolstói. “Cito dois livros destes autores que me impactaram. De Dostoiévski, o romance ‘Os Irmãos Karamazov’; e Tolstói, um poderoso livrinho intitulado ‘A Morte de Ivan Ilitch’, que vale a pena conhecer. Vale também citar o livro “Desonra”, do escritor sul-africano, John Maxwell Coetzee e o vertiginoso livro “Voragem”, do escritor Japonês Junichiro Tanizaki. Imperdíveis!”.
O encontro com pessoas e lugares diferentes, por conta da profissão, tornou-se um aliado para Lara pensar o mundo e se inspirar para constituir o que o poeta mato-grossense Manoel de Barros chama de “matéria de poesia”, que pode ser um objeto, uma sensação ou qualquer outra emoção. “Escrever poeticamente é ser capaz de sintetizar a vida em poucas palavras. Poucos conseguem escrever com essa condensação. A literatura existencial, que toca o âmago da vida, é o que me entra pelos poros e me faz pulsar”, disse.
“A necessidade de escrever vem sempre acompanhada de uma grande inquietação. Às vezes, ela vem de mansinho e toma corpo, então, é preciso saber esperar. Existe um tempo, que é o tempo da maturação da palavra, tempo de escutar o silêncio e esperar. Esperar que a palavra se doe, sem apressá-la. Outras vezes, ela irrompe abrupta e a poesia se perfaz como num susto.”
Sob o pseudônimo de Riva Seixas, Lara utiliza a internet como espaço alternativo para compartilhar suas criações e considera o mundo virtual como “um canal importante para quem está começando a trilhar o caminho da escrita. Todo poema se completa quando encontra um leitor que o leia”, disse.
Confira abaixo dois poemas e um conto escrito pela servidora. Para conhecer outros poemas, acesse o perfil do Facebook e acompanhe as postagens.
O Prazer de Escrever
Espero-a
como se espera
o inesperado,
com uma distração
fundamental.
Sem garantias,
ela chega
do fundo
de um grande
silêncio e me
desabrocha.
A ti, palavra,
que devagar
ou de súbito me
abre o mundo,
sou devota.
Recomeço
Perde-se muito no curso de uma vida.
Perdem-se lugares, ocasiões.
Perdem-se pessoas que se transmutam
Em saudosas ausências.
Perdem-se os laços já afrouxados
Que uniam as distâncias.
Perde-se a terceira perna imaginária,
Tão útil para manterem firmes
As outras duas vacilantes.
Perde-se a voz, na impronúncia
Do essencial.
Perde-se o silêncio, caro à palavra.
No incessante recomeço de uma vida
Perde-se muito.
É preciso grandeza para perder.
E coragem.
Na vida, só se pode ganhar a si
Perdendo-se.
Do mar, as ondas murmuram
O eterno recomeçar…
A pesca
De perfil, ela parece saída de um desenho traçado pela mão de um grande artista, fina qual folha de papel; ao se mover, a garça branca estica o pescoço, mas não todo, faz uma angulação no formato de anzol, que se move para frente e para trás, no ritmo de suas passadas, mantendo um equilíbrio perfeito; as longas pernas negras e finas caminham rumo ao mar para mais uma pescaria.Ela para e espera. Volta e meia encolhe uma perna, sustendo o corpo sobre uma das hastes negras. Estica-se. É toda pescoço.
Esquadrinha o oceano, imóvel feito um escultura branca; recolhe o pescoço e encurva o corpo, brotando-lhe uma pequena corcova e um ar de tristeza; assim, meio curva e corcunda, dá pequenos passos em tocaia. Num lance súbito, mergulha o longo e ágil pescoço e retorna com um pequeno peixe se debatendo, atravessado no seu bico de garça. Com seu prêmio aprisionado, sai em disparada para fora d´água. O peixe se desvencilha daquele bico fino e comprido e dá um salto libertador, mas a garça sabida o abocanha de volta; ela o levara para uma armadilha, fora de seu elemento, de nada vale a precária e incipiente liberdade. E com dois ou três volteios no bico ela engole o peixinho, que faz seu derradeiro mergulho nas profundezas internas daquele longo e belo pescoço alvo.
“Escrevo para acessar uma parte de mim que não seria possível de outro modo, para saber quem sou. E quem não sou. Escrever é um processo de constante construção e desconstrução de si.” Lara Pinheiro, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, do Espírito Santo, sabe quem é quando atua na função de Oficial de Justiça que exige, para ela, “um constante movimento para fora, para as ruas e ao encontro de outros”, disse.
Para ela, a escrita surgiu após o amor pelos livros “como uma necessidade imperiosa de expressão, de dizer algo que não se sabe o que é e nem de onde vem, mas que se impõe como uma força da qual não se pode escapar”, explica. Lara se lembra com clareza do primeiro livro que ganhou, aos sete anos, “As Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, responsável por “abrir as portas para as palavras. Desde então, sedenta pelas histórias que me transportavam para um mundo mágico, infinitamente mais interessante do que o meu mundo real, passei a buscar mais e mais… livros.”
Quando se fala em versos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto são as referências mais marcantes para Lara, que acompanham a servidora até hoje mas há espaço para novas descobertas como a poeta polonesa Wislawa Szymborska. “Existe apenas um livro seu traduzido para o português, por Regina Przybycien, pela Editora Companhia das Letras. É uma coletânea composta de 44 magistrais poemas! Na prosa, a escrita intimista e mística de Clarice Lispector teve profunda influência em minha disposição diante do mundo, da vida. Clarice buscou apreender, com a palavra, a vida mesma em sua pulsação. E Guimarães Rosa, com o seu “Sertão” físico e metafísico, fez a linguagem transbordar em neologismos. Sua genialidade inventiva criou mundos! Ele dispensa comentários”, afirma.
Entre os escritores estrangeiros, ela cita os mestres da literatura russa Dostoiévski e Tolstói. “Cito dois livros destes autores que me impactaram. De Dostoiévski, o romance ‘Os Irmãos Karamazov’; e Tolstói, um poderoso livrinho intitulado ‘A Morte de Ivan Ilitch’, que vale a pena conhecer. Vale também citar o livro “Desonra”, do escritor sul-africano, John Maxwell Coetzee e o vertiginoso livro “Voragem”, do escritor Japonês Junichiro Tanizaki. Imperdíveis!”.
O encontro com pessoas e lugares diferentes, por conta da profissão, tornou-se um aliado para Lara pensar o mundo e se inspirar para constituir o que o poeta mato-grossense Manoel de Barros chama de “matéria de poesia”, que pode ser um objeto, uma sensação ou qualquer outra emoção. “Escrever poeticamente é ser capaz de sintetizar a vida em poucas palavras. Poucos conseguem escrever com essa condensação. A literatura existencial, que toca o âmago da vida, é o que me entra pelos poros e me faz pulsar”, disse.
“A necessidade de escrever vem sempre acompanhada de uma grande inquietação. Às vezes, ela vem de mansinho e toma corpo, então, é preciso saber esperar. Existe um tempo, que é o tempo da maturação da palavra, tempo de escutar o silêncio e esperar. Esperar que a palavra se doe, sem apressá-la. Outras vezes, ela irrompe abrupta e a poesia se perfaz como num susto.”
Sob o pseudônimo de Riva Seixas, Lara utiliza a internet como espaço alternativo para compartilhar suas criações e considera o mundo virtual como “um canal importante para quem está começando a trilhar o caminho da escrita. Todo poema se completa quando encontra um leitor que o leia”, disse.
Confira abaixo dois poemas e um conto escrito pela servidora. Para conhecer outros poemas, acesse o perfil do Facebook e acompanhe as postagens.
O Prazer de Escrever
Espero-a
como se espera
o inesperado,
com uma distração
fundamental.
Sem garantias,
ela chega
do fundo
de um grande
silêncio e me
desabrocha.
A ti, palavra,
que devagar
ou de súbito me
abre o mundo,
sou devota.
Recomeço
Perde-se muito no curso de uma vida.
Perdem-se lugares, ocasiões.
Perdem-se pessoas que se transmutam
Em saudosas ausências.
Perdem-se os laços já afrouxados
Que uniam as distâncias.
Perde-se a terceira perna imaginária,
Tão útil para manterem firmes
As outras duas vacilantes.
Perde-se a voz, na impronúncia
Do essencial.
Perde-se o silêncio, caro à palavra.
No incessante recomeço de uma vida
Perde-se muito.
É preciso grandeza para perder.
E coragem.
Na vida, só se pode ganhar a si
Perdendo-se.
Do mar, as ondas murmuram
O eterno recomeçar…
A pesca
De perfil, ela parece saída de um desenho traçado pela mão de um grande artista, fina qual folha de papel; ao se mover, a garça branca estica o pescoço, mas não todo, faz uma angulação no formato de anzol, que se move para frente e para trás, no ritmo de suas passadas, mantendo um equilíbrio perfeito; as longas pernas negras e finas caminham rumo ao mar para mais uma pescaria.Ela para e espera. Volta e meia encolhe uma perna, sustendo o corpo sobre uma das hastes negras. Estica-se. É toda pescoço.
Esquadrinha o oceano, imóvel feito um escultura branca; recolhe o pescoço e encurva o corpo, brotando-lhe uma pequena corcova e um ar de tristeza; assim, meio curva e corcunda, dá pequenos passos em tocaia. Num lance súbito, mergulha o longo e ágil pescoço e retorna com um pequeno peixe se debatendo, atravessado no seu bico de garça. Com seu prêmio aprisionado, sai em disparada para fora d´água. O peixe se desvencilha daquele bico fino e comprido e dá um salto libertador, mas a garça sabida o abocanha de volta; ela o levara para uma armadilha, fora de seu elemento, de nada vale a precária e incipiente liberdade. E com dois ou três volteios no bico ela engole o peixinho, que faz seu derradeiro mergulho nas profundezas internas daquele longo e belo pescoço alvo.
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