ANAJUSTRA Federal entrevista professora Vera Monteiro

Estudiosa do serviço público, ela aponta caminhos possíveis para o aperfeiçoamento da máquina e do funcionalismo.

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“O que se quer é serviço público com mais qualidade e sem desperdício de recursos públicos, o que depende de um pacote de modernização e valorização do servidor público engajado e vocacionado”, afirma Vera Monteiro. – rawpixel.com

Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da FGV Direito SP, integrante do Movimento Pessoas à Frente e vice-presidente do conselho do Instituto Republica.org, conhece profundamente a realidade do serviço público no Brasil e, junto com outros estudiosos, vêm apontando caminhos possíveis para o seu aperfeiçoamento.

Em entrevista exclusiva para a ANAJUSTRA Federal, ela fala dos desafios atuais do funcionalismo, entre eles, o “enfrentamento das distorções salariais e da reestruturação das carreiras e o debate sobre concursos, compreendendo a gestão do desempenho e do desenvolvimento de profissionais do setor”.

Fonte de jornais de grande circulação que debatem temas de interesse da categoria, a professora também trata do futuro do serviço público. Daqui a 10 anos, ela gostaria de ver “uma burocracia mais inovadora e ativa, capaz de estimular os bons servidores”.

E sobre a necessária valorização destes profissionais, ela destaca: “O reconhecimento do trabalho individual do servidor e o fortalecimento das capacidades profissionais das equipes resultam em melhores respostas às demandas da sociedade.”

Confira a entrevista completa

ANAJUSTRA Federal: Quais são os grandes desafios do funcionalismo no Brasil hoje?

Vera Monteiro: O Brasil tem o desafio de transformar o Estado, tornando-o mais efetivo, capaz de entregar mais e melhores serviços à população. Isso passa, necessariamente, por mudanças que possibilitem o aprimoramento do setor público, do urgente enfrentamento das distorções salariais e da reestruturação das carreiras, ao debate sobre concursos, compreendendo a gestão do desempenho e do desenvolvimento de profissionais do setor, com garantia de maior equidade étnico-racial e de gênero. O que se quer é serviço público com mais qualidade e sem desperdício de recursos públicos, o que depende de um pacote de modernização e valorização do servidor público engajado e vocacionado.

AF: Como imagina o serviço público no país daqui a 10 e 20 anos?

VM: Acredito em soluções incrementais em matéria de servidores públicos. É um trabalho permanente de melhoria da qualidade do serviço prestado pelo Estado ao cidadão. Não há bala de prata que promova, de uma só vez, a eficiência do Estado. Vejo que o tema da gestão de pessoas no setor público tem ganhado cada vez mais espaço na academia, em entidades do terceiro setor e na própria administração pública, que começa a entender que órgão de RH não deve ser apenas o que processa folha de pagamento. Daqui a 10 anos gostaria de ver uma burocracia mais inovadora e ativa, capaz de estimular os bons servidores. Em 20 anos gostaria de ver também ações legislativas consolidadas no tema, dando segurança jurídica para o enfrentamento dos desafios do setor, nas três esferas federativas.

AF: A inteligência artificial vai impactar as carreiras, não é mesmo? Quais são os aspectos positivos e negativos dela para os servidores?

VM: A IA já impactou as carreiras. Muitos órgãos utilizam soluções que automatiza tarefas repetitivas e rotineiras, com o objetivo de processar grandes quantidades de dados rapidamente e com precisão. Servidores passam a estar liberados para tarefas mais criativas. Alguns desafios estão nos necessários programas de treinamento e educação para o uso da tecnologia, além da possível necessidade de revisão das carreiras e nas formas de contratação de profissionais nessa área.

AF: Qual a sua avaliação sobre a PEC 32/20, da reforma administrativa?

VM: Na minha opinião, mudanças infralegais, no plano da gestão e por meio de lei, serão mais fáceis e efetivas do que alterações constitucionais. A transformação do Estado pode e deve ser feita, mas a PEC 32 não é a melhor alternativa para implementação dessas mudanças, pois não teria efeitos diretos. Diferentemente da reforma tributária, em que uma PEC era necessária, no caso da reforma administrativa, não há necessidade de mudança constitucional. Aliás, já tivemos duas alterações constitucionais envolvendo o tema (EC 19/98 e EC 47/05) e não houve a transformação desejada.

AF. Quais temas deveriam ser tratados em uma proposta alternativa à PEC 32 para garantir um melhor desempenho da máquina?

VM: Como disse, ao invés de uma PEC, deveríamos apostar em ações de gestão pública e em alguns projetos de lei. O primeiro é o PL 2258/22 (Lei de Modernização Nacional dos Concursos Públicos), aprovado por unanimidade na Câmara, por votação simbólica, em 9/8/22. Aguarda andamento no Senado. O texto é bom e sua utilidade é baratear e melhorar as seleções em todas as esferas federativas, com mais segurança jurídica, sem necessidade de novas leis. O outro é o PL 2727/21 (Lei dos Super Salários), aprovado na Câmara e está no Senado. Seu mérito é estabelecer limites às indenizações que furam o teto remuneratório, atenuando a desigualdade remuneratória no serviço público. Mas também é importante trabalharmos em bons textos de lei para os seguinte assuntos: avaliação de desempenho; greve no serviço público; e contratação por tempo determinado.

AF. Estamos vendo a organização de concursos unificados, entre eles, o da Justiça Eleitoral. Esse é um bom modelo de porta de entrada no funcionalismo?

VM: Acho muito positiva a proposta de organização, planejamento e realização unificada do concurso. Isso tende a gerar racionalidade e diminuição de gastos com a organização das provas. Por um lado, o modelo pode ajudar a pensar as carreiras de forma mais holística, tendo em vista a atualização aos desafios do trabalho nos dias de hoje e no futuro. Por outro, permite usar técnicas mais atuais e relevantes para bem recrutar, permitindo que competências e habilidades sejam avaliadas com o objetivo de atrair pessoas vocacionadas e motivadas. Nesse sentido, o concurso nacional unificado, coordenado pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Público, é um bom exemplo. Segundo se anuncia, serão avaliados, além dos conhecimentos tradicionais, outros relacionados com ethos públicos e valores democráticos. Também poderão ser analisadas experiências prévias e a realização de entrevistas. Além disso, haverá um banco de candidatos aprovados em lista de espera, que poderá ser utilizado para processos de contratação temporária.

AF. Nos últimos anos, todos os reajustes alcançados pelos servidores foram abaixo da inflação. Como mudar isso e como ir além da questão salarial para valorizar o funcionalismo?

VM: É preciso desmistificar a ideia de que a gestão de desempenho é inimiga dos funcionários e das lideranças que se colocam a serviço da população. É com um sistema de gestão de desempenho bem desenhado, que valorize o bom servidor, com metas individuais e coletivas, que se garante engajamento. O caminho é acompanhar e aprimorar o trabalho desenvolvido pelos quadros técnicos e pelas lideranças públicas. O reconhecimento do trabalho individual do servidor e o fortalecimento das capacidades profissionais das equipes resultam em melhores respostas às demandas da sociedade. Por isso, uma lei sobre avaliação de desempenho bem desenhada é tão importante, pois sujeitaria todas as carreiras a avaliações obrigatórias de desempenho, independentemente de leis específicas.


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– – Divulgação

Sobre o República.org

O República.org é um instituto dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público do Brasil.
Atua por meio de uma filantropia apartidária, não corporativa e antirracista, pautada pelo fortalecimento da democracia brasileira.

Ele visa engajar, qualificar e valorizar profissionais do setor público e investir em iniciativas que tenham o objetivo de promover mais efetividade e atratividade para o serviço público no país.

Também constrói conhecimento e mobiliza diferentes grupos da sociedade civil para apoiar governos na formulação de estratégias de gestão e no desenho de programas e políticas públicas.

*A opinião da entrevistada não reflete necessariamente a da ANAJUSTRA Federal sobre os temas

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