Onde há trabalho, há litígio

Debate

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Presidente do TST, ministro João Batista Brito Pereira, durante a abertura do evento. Foto: Secom/TST.

Por três dias, servidores, magistrados e estudantes ouviram representantes de cortes trabalhistas de várias partes do mundo no 1º Encontro Internacional de Juízes de Cortes Trabalhistas realizado no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. A ideia de que os diferentes instrumentos de pacificação das relações de trabalho são essenciais para a ordem social prevaleceu em todas as palestras.

Os seminários também desmitificaram o senso comum de que é possível haver relação de emprego sem que se tenha uma estrutura de resolução de demandas. Mesmo nos Estados Unidos, que segue a tradição da Common Law (direito baseado em jurisprudência) e não compartimentaliza a jurisdição, o assunto segue sendo tema de decisões da justiça.

“É ingenuidade acreditar que não há conflitos trabalhistas nos EUA como foi disseminado para a opinião pública”, explicou Cássio Casagrande, procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Ele exemplificou decisões históricas que vêm sendo tomadas naquele país desde o mandato Roosevelt que criou a Fair Labor Standards Act (1938) – impondo limites à jornada de trabalho, estabelecendo salário mínimo, proibição de trabalho infantil e unicidade sindical.

“Desde a sua origem o Direito do Trabalho sempre teve uma natureza internacional. Porque os países precisam estabelecer padrões mínimos de trabalho para evitar que haja uma competição desigual”, declarou. Ele mostrou questões trabalhistas que são debatidas tanto no judiciário brasileiro quanto no estadunidense, como reconhecimento de vínculo de emprego, falta de registro de jornada, pagamento de horas extras não reconhecidas, danos morais de ações discriminatórias, terceirização, entre outros temas.

Exemplo

Na conferência de abertura, María Rosina Rossi Albert, ministra do Tribunal de Apelações do Trabalho do Uruguai, afirmou que a Justiça do Trabalho daquele país foi inspirada pelo modelo brasileiro. “É muito comum que nós analisemos no Uruguai, na escola de juízes do trabalho, a análise de sentenças brasileiras. Tomamos como modelo a solidez da Justiça do Trabalho no Brasil”, colocou.

A ministra falou sobre os 100 anos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a importância de uma Justiça do Trabalho efetiva. Para ela, há um núcleo duro de direitos, como a liberdade sindical e de negociação e a abolição do trabalho escravo e infantil, que deve ser protegido pelos 187 países-membros da organização.

Modelo alemão

Dentre os muitos cenários examinados, um dos mais semelhantes ao caso brasileiro é o da Alemanha, inclusive com o mesmo número de graus de jurisdição, como explicou o magistrado Sebastian Roloff, do Tribunal Superior do Trabalho da Alemanha. Ele lembrou que seu país tem mais de 200 anos em tradição de Direito Trabalhista e que os juízes que apreciam causas laborais só foram impedidos de atuar pelo regime nazista em 1941.

Roloff lembrou que a extinção da Justiça do Trabalho voltou a ser tema de debate em 2004. “Havia uma crise econômica e a corte trabalhista foi acusada de ser esquerdista e de estar muito a favor dos empregados”, contou. Entretanto, a ideia “felizmente” não prosperou. “Nós vimos que os instrumentos de mercado são mais importantes para a geração de empregos do que banir as cortes do trabalho”, ponderou.

Reforma trabalhista

No último painel, os ministros do TST Cristina Peduzzi e Mauricio Godinho apresentaram as diferentes reformas trabalhistas no Brasil e em outros países. Segundo a ministra Peduzzi, os principais pontos em comum em todos os países envolvem a flexibilização da jornada. “Seja na forma de banco de horas, regimes diversos de compensação, redução do intervalo, trabalho intermitente e teletrabalho, é um denominador comum”, colocou.

Para ela, as diversas mudanças são fruto das transformações tecnológicas que têm “gerado a substituição da mão de obra pela máquina e tecnologia, levando ao desemprego em nível global”. A ministra defendeu ainda que se tenha cautela ao estudar as reformas produzidas nos diferentes países. “É importante analisar as reformas trabalhistas ao redor do mundo para ver o direito a partir de sua perspectiva histórica, mas sempre com a consciência de que cada um dos países tem as suas peculiaridades e não é possível fazer uma transposição sem contemplá-las”, ressalvou.

O ministro Maurício Godinho falou sobre três modelos mundiais de inserção e desenvolvimento do capitalismo: bem-estar social, modelo asiático e o neoliberal. Para Godinho, o primeiro é o mais sofisticado e que melhor consegue atenuar, por meio de políticas públicas, os impactos das mudanças legislativas. “O capitalismo funciona muito bem com esses direitos. Nesses países, as reformas não causam tanto trauma”, enfatizou.

Já no asiático, o ministro destacou a forte intervenção do Estado no estimulo à industrialização, como no caso da China e da Coréia do Sul. “É possível estar dentro do capitalismo com eficiência e competitividade, mas para isso é imprescindível a participação do Estado”, disse sobre a experiência desses países.

Por fim, no exemplo neoliberal, dos Estados Unidos da década de 70, o ministro lembrou que o papel do Estado é praticamente nulo e que, assim, a industrialização se torna inviável. “Essa vertente acha um mal existir direitos individuais e sociais. Há quase que um preconceito contra o Estado. A América Latina é um exemplo clássico disso, onde a industrialização está indo para uma total desagregação”, uma vez que nesses países as leis têm se tornado cada vez mais duras para os trabalhadores, pontuou o ministro.

Confira

Você pode assistir a todos os vídeos da conferência no canal do TST no YouTube.

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