A natureza jurídica do benefício especial previsto na Lei nº 12.618/2012

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Odasir Piacini Neto é especialista em Direito Previdenciário e advogado no escritório Ibaneis Advocacia e Consultoria.

Às vésperas de expirar o prazo para que os servidores públicos optem por migrar para o regime de previdência complementar, o prazo vence no próximo dia 28/07/2018, muitas dúvidas ainda existem em relação ao referido regime.

No tocante à migração dos servidores públicos que ingressaram no serviço público antes da edição da Lei nº 12.618/2012, especial controvérsia diz respeito à natureza jurídica do benefício especial criado pelo §1º do artigo 3º do citado diploma legal. O referido dispositivo possui a seguinte redação:

Art. 3º  Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1º desta Lei que tiverem ingressado no serviço público:
II – até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1o desta Lei, e nele tenham permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição Federal.
(…)
§1º É assegurado aos servidores e membros referidos no inciso II do caput deste artigo o direito a um benefício especial calculado com base nas contribuições recolhidas ao regime de previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observada a sistemática estabelecida nos §§ 2º a 3º deste artigo e o direito à compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição Federal, nos termos da lei.

Analisando-se o citado dispositivo, verifica-se que o benefício especial não possui natureza previdenciária por vários aspectos.

Primeiro, o benefício especial não visa à cobertura de nenhum risco social, de modo que a Previdência Social nada mais é do que uma modalidade de seguro que visa proteger seus segurados dos referidos riscos sociais. Nesse sentido:

A previdência social é, antes de tudo, certa técnica de proteção que depende de articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual, ordinariamente, contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado, e mediante o qual se intenta reduzir os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.

Portanto, como não cobre nenhum risco social, sob essa ótica, fica nítido que o benefício especial não possui natureza previdenciária.

Segundo, somente receberá o benefício especial o servidor que, tendo ingressado no serviço público antes da instituição do regime de previdência complementar, opte por migrar para o novo regime instituído pela Lei nº 12.618/2012, o que, por sua vez, demonstra tratar-se de uma faculdade, afastando, dessa forma, outra importante característica dos regimes previdenciários qual seja: a compulsoriedade.

Acerca da compulsoriedade da previdência social merecem destaque as lições de Fábio Zambitte Ibrahim:

Também não é correto definir a previdência social, nos regimes básicos, como mera espécie de seguro, com natureza contratual, já que a previdência social é compulsória.
(…)
Contudo, sua natureza jurídica não é contratual, pois é excluída por completo a vontade do segurado, sendo filiado compulsoriamente. Não há qualquer pacto de vontades no seguro social, salvo pela figura do segurado facultativo. A facultatividade é característica somente da previdência complementar.

Note-se, portanto, que em se tratando de um benefício concedido em decorrência do exercício de uma faculdade por parte do servidor, também por esse motivo fica afastada a natureza previdenciária.

Terceiro, de acordo com o artigo 5º, da Lei nº 9.717/1998, os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social de que trata a Lei nº 8.213/199. Nesses termos:

Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Dessa forma, como não há no âmbito do RGPS benefício similar ao especial previsto na Lei nº 12.618/2012, bem como inexiste na Constituição Federal de 1988 exceção no tocante ao referido benefício, fica nítido que ele não poderia ser concedido aos servidores a título previdenciário, sob pena de flagrante violação ao citado dispositivo.

Forte nessas premissas, fica afastada a natureza previdenciária do benefício especial previsto no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 12.618/2012.

Em contrapartida, em se tratando de um benefício oriundo de uma faculdade do servidor, calcada na autonomia da sua vontade, princípio basilar do direito contratual, fica nítida a natureza contratual do benefício em análise.

Ressalte-se que o contrato nada mais é que “um acordo de vontades, na conformidade com a lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conversar, modificar ou extinguir direitos, de modo que o benefício especial se amolda perfeitamente ao referido conceito, eis que se trata de um acordo entre o servidor e a entidade de Previdência Complementar, na forma da Lei nº 12.618/2012, em que ele adquire o direito a um benefício.

Acerca da natureza contratual do vínculo do servidor com a entidade de previdência complementar destacamos as lições de Marcelo Barroso Lima Brito de Campos:

Em que pese o alto grau de regulação por normas estatais, a relação jurídica estabelecida entre os servidores públicos e a entidade gestora do regime de previdência complementar deve possuir traços contratuais significativos, vigorando a prevalência da autonomia da vontade entre as partes, representada nos regulamentos de benefícios dos planos.
Segundo o entendimento do STF, proferido por maioria na ADI 3105, o RPPS encerra uma relação institucional entre o servidor e a Administração Pública, sendo as normas jurídicas estabelecidas por esta que regem a referida relação. Essa relação institucional não se estende ao regime complementar, eis que suas normas advêm da relação contratual entre o assistido e a unidade gestora do regime.

Forçoso concluir, portanto, que a natureza jurídica do benefício especial previsto no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 12.618/2012, é, inequivocamente, contratual.

Possuindo natureza contratual, a segunda conclusão que se chega é que eventuais reformas previdenciárias não possuíram o condão de atingir o contrato referente ao benefício especial.

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