A Amizade que Sustenta a Alma
Por Glauce de Oliveira Barros
1 José Celso Cardoso Jr.
2 Regina Coeli Moreira Camargos
Neste último artigo da série sobre fundamentos e diretrizes da ocupação no setor público, vamos tratar da liberdade de organização e autonomia de atuação sindical, no que tange tanto às formas de organização e funcionamento dessas entidades, como no que se refere às formas de representação, financiamento e prestação de contas junto aos próprios servidores e à sociedade de modo geral.
Apesar de mencionar expressamente os direitos de livre associação sindical e de greve na administração pública (este último pendente de regulamentação em lei específica), a Constituição de 1988 não assegurou explicitamente o direito de negociação coletiva. Isso criou um vácuo jurídico nas relações trabalhistas entre os servidores e o Estado, embora a Lei 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores federais, preveja garantias para o exercício da atividade sindical e aluda à negociação coletiva. E que também vigore no país, desde março de 2013, a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do tema.
Esse vácuo ensejou constantes dificuldades e tensões na relação entre governos e servidores. Entretanto, a vigência de um ambiente mais democrático, até recentemente, favoreceu a solução dos conflitos, ainda que às custas de processos de negociação bastante morosos e de longas greves. A falta de regulamentação dos direitos de negociação e de greve do funcionalismo, portanto, não impediu o diálogo e a construção de alternativas para a solução dos conflitos trabalhistas no setor público.
LEIA TAMBÉM:
Parte 1: Fundamentos e Diretrizes da Ocupação no Setor Público no Brasil – parte 1
Parte 2 questão da Estabilidade Funcional dos Servidores nos Cargos Públicos
Parte 3: A questão da remuneração adequada e previsível ao longo do ciclo laboral
Entretanto, atualmente, os espaços de diálogo e concertação, inclusive no âmbito parlamentar, se encontram fortemente limitados ou mesmo inacessíveis ao movimento sindical dos servidores. Assiste-se, com frequência, a ataques de ministros de Estado e do próprio presidente da República aos servidores, em todos os níveis da administração pública federal, inviabilizando qualquer tentativa de diálogo. Nesse contexto, a ausência de regulamentação dos direitos de negociação e greve acirrará os conflitos entre governo e servidores, com consequências danosas para a sociedade.
Vejamos mais de perto algumas questões específicas de cada um desses temas. Há, certamente, várias especificidades nas relações trabalhistas entre os servidores e entes públicos, que tornam mais complexa a tarefa de regulamentação do direito de greve e de negociação. Entre elas, destacam-se:
diferentemente da iniciativa privada, o empregador (Estado) não aufere lucros com suas atividades. Seus recursos são sempre escassos diante das necessidades da população e são objeto de disputa entre os diversos setores da sociedade, por ocasião da elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA);
o Poder Público tem, constitucionalmente, o dever de observar o “princípio da legalidade”, pelo qual o Executivo só pode realizar despesas se autorizado pelo Legislativo, através da LOA. Esse princípio faz com que uma eventual negociação tenha que incorporar, necessariamente, o Parlamento, o que torna o processo de negociação no setor público muito mais complexo que na iniciativa privada;
o Poder Executivo tem que observar os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 2.000 (Lei Complementar 101), que prevê rígidos limites para o gasto com o funcionalismo público, que, no caso dos Estados e Municípios, não pode superar 60% da Receita Corrente Líquida e, no âmbito da União, 50% da RCL;
a Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos) adicionou restrições às possibilidades de negociação dos servidores no tocante aos reajustes remuneratórios, ao congelar os gastos públicos por 20 anos. A chamada “EC Emergencial”, por sua vez, vem para dificultar ainda mais a negociação sobre questões que envolvam qualquer aumento de despesa;
a negociação coletiva no setor público requer a atuação das entidades sindicais dos servidores nos diferentes momentos do ciclo orçamentário, desde a apresentação do Plano Plurianual (PPA), passando pela apreciação da LDO e encerrando com a votação da LOA.
Negociação Coletiva no setor público.
Cabe considerar, em qualquer proposta de regulamentação da negociação coletiva, particularmente sobre remunerações no setor público, as seguintes questões:
a negociação dos servidores envolve, além dos servidores e suas entidades representativas, os demais gestores públicos e diversos outros atores, entre eles, parlamentares e organizações da sociedade civil, além dos destinatários dos serviços oferecidos à população;
em muitos casos, a autonomia das entidades de servidores públicos na negociação é bastante reduzida, pois os orçamentos de cada órgão são rígidos e admitem pequena margem para realocação de recursos;
há disputas entre os diversos órgãos e carreiras nas diversas esferas do Poder Executivo pela apropriação da cota orçamentária relativa à remuneração, o que torna bastante complexa a elaboração de pautas comuns e formação de consensos políticos. A pulverização de interesses e demandas entre categorias e entidades representativas dificulta a unificação dos processos de negociação e mobilização. Portanto, o instituto da data-base existente na negociação coletiva dos trabalhadores na iniciativa privada dificilmente se aplicaria à realidade dos servidores. E, de fato, a ela não se aplica.
Em relação à negociação coletiva, parte das dificuldades decorre da interpretação majoritária do STF sobre sua inconstitucionalidade, conforme a ADI 492/1992. Entretanto, essa interpretação não impediu a proposição e tramitação de projetos sobre o tema, sendo os mais recentes os Projetos de Lei 4.795/2019 (Câmara dos Deputados) e 711/2019 (Senado Federal). Esses projetos visam a efetivar a Convenção 151 da OIT, ratificada pelo Congresso Nacional em 2010 e vigente desde 2013. Ambos se manifestaram por um “modelo temperado” de negociação coletiva.
Segundo Vieira Jr. (2013), em estudo fundamental sobre a regulamentação do direito de negociação coletiva no setor público, “a negociação coletiva pura, transportada da experiência trabalhista privada, é inconstitucional quando aplicada ao setor público.”
No setor privado, empregados e empregadores possuem mais liberdade para definir os parâmetros do acordo resultante, pois o objetivo do negócio empresarial é a obtenção de lucro – que pode ser “distribuído” entre os empregados conforme a situação econômica e financeira da empresa – e a capacidade de pressão dos sindicatos e trabalhadores. A Reforma Trabalhista de 2017, inclusive, permite que os acordos prevaleçam sobre a lei, ainda que prevejam condições menos favoráveis.
Na visão de Vieira Jr., “é inadmissível e insustentável constitucionalmente (…) a adoção, sem qualquer ponderação, da negociação coletiva, desconsiderando as balizas constitucionais referentes ao princípio da reserva legal, ao equilíbrio orçamentário financeiro e à responsabilidade fiscal.” A existência dessas balizas é o elemento que caracteriza o modelo “temperado” de negociação coletiva, compatível com os termos da Convenção nº 151 da OIT e com a Constituição de 1988.
Vieira Jr. também pondera que: “O modelo temperado de negociação coletiva (…) é fiel à solitária e corajosa manifestação do Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADI nº 492, em que sustentava a possibilidade de interpretação conforme a Constituição para admitir a negociação coletiva no setor público, harmonizada com os demais preceitos constitucionais relacionados às prerrogativas do Estado na condução das questões referentes aos servidores públicos.”
O autor prossegue dizendo que “o debate sobre a negociação coletiva no setor público está definitivamente inserido na agenda dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, e que, portanto, “trata-se de buscar uma alternativa normativa viável, constitucionalmente sustentável, que fomente a autocomposição dos conflitos, densifique os direitos sociais dos servidores públicos e reduza a judicialização dessas demandas”.
A regulamentação do direito de negociação coletiva dos servidores, portanto, é desejável e cabível do ponto de vista legal, existindo em trâmite dois projetos (supra-citados) de igual teor que poderiam ser apreciados e aprovados na atual legislatura.
Direito de Greve no setor público
Em relação ao direito de greve, as especificidades se relacionam basicamente às noções de “atividades essenciais” e “necessidades inadiáveis”. Em se tratando de serviços prestados e atividades realizadas pelo Estado, pode-se dizer, em tese, que quase todos se encaixam nessas noções. Os que criticam esse direito baseiam-se na visão estreita de que uma greve de servidores entraria em conflito com a própria missão do setor público para com a sociedade. Com base nessa visão, o direito de greve foi negado aos servidores por muitas décadas pelas legislações constitucional e ordinária. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 estendeu esse direito aos servidores, deixando sua regulamentação para a lei ordinária.
Dessa maneira, que princípios e parâmetros devem orientar a elaboração de uma lei de greve específica para os servidores, considerando a natureza peculiar de suas atividades e a missão social do serviço público? Como a greve nesse setor, muitas vezes, impõe mais ônus à sociedade que aos servidores públicos, gerando potenciais conflitos entre servidores e cidadãos, que mecanismo legal poderia ser criado para resolver ou mitigar conflitos decorrentes dos movimentos paredistas?
Tais questões devem ser contempladas em qualquer proposta de regulamentação do direito de greve no setor público. Neste sentido, o PL 375/2019 visa à sua regulamentação no setor público, previsto no inciso VII, Artigo 37 da Constituição Federal.
De acordo com Vieira Jr. (2013): “Não é razoável supor que a CF tenha admitido, expressamente, o direito à livre associação sindical dos servidores, em seu art. 37, inciso VI, o direito de greve no inciso VII do mesmo artigo, e não tenha admitido a negociação coletiva, obedecidas as balizas constitucionais. Fosse verdadeira essa construção, estaria desmontado o clássico eixo que sustenta as relações trabalhistas, e, por extensão, as relações jurídico-estatutárias, composto por: livre organização sindical, negociação coletiva e direito de greve. É imperiosa, portanto, a construção de base normativa que: i) reafirme a possibilidade de livre organização dos servidores para reivindicar o que consideram seus direitos; ii) crie espaço possível de negociação, submetido aos limites constitucionais e legais; e, por fim, iii) viabilize o exercício do direito de greve, na hipótese de as negociações resultarem infrutíferas.”
Tendo em vista a regulamentação do direito de greve, entretanto, cabem muitas reservas quanto ao projeto mais recente (375/2018) que claramente restringe e constrange seu exercício pelos servidores. Trata-se de matéria extremamente complexa e sensível que deve considerar, ao mesmo tempo, o legítimo exercício de um direito constitucional – indissociável, tanto do direito de negociação coletiva, como da mais ampla liberdade de organização sindical –, bem como as necessidades da sociedade em relação aos serviços prestados pelo Estado que são financiados por ela por meio de impostos. O Projeto de Lei 375/2018, infelizmente, não contempla essas premissas e contém indisfarçável viés restritivo das liberdades sindicais.
Conclusão
A regulamentação do exercício desses direitos deveria ser objeto de um único projeto de lei, entendendo-se que ambos estão intrinsecamente relacionados, pois, negociação coletiva e greve são aspectos centrais de um sistema democrático de relações de trabalho.
A regulamentação do direito de greve e de negociação coletiva dos servidores se insere nesses objetivos, pois permitirá aos servidores e ao Estado previsibilidade e segurança em relação à evolução dos gastos com a folha de pagamentos, evitará a cristalização de “castas funcionais” em detrimento da melhoria das condições de vida e trabalho da ampla maioria dos servidores, sinalizará à sociedade uma gestão profissional e transparente da gestão de recursos humanos no setor público, reduzirá a conflitividade das relações de trabalho entre Estado e servidores e os custos sociais de greves que poderiam ser evitadas pela existência de negociações permanentes.
1 Doutor em Desenvolvimento pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e professor dos Mestrados Profissionais em Políticas Públicas e Desenvolvimento (IPEA) e Governança e Desenvolvimento (ENAP). Atualmente, exerce a função de Presidente da Afipea-Sindical e nessa condição escreve esse texto.
2 Bacharel em Ciências Econômicas pela FACE/UFMG (1987), doutora em Ciência Política pela FAFICH/ UFMG (2008), pesquisadora em pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico no CESIT/IE/ Unicamp (fevereiro 2019 a março de 2020). Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE (1993 a 2018), com atuação nas áreas de negociação coletiva, educação e assessoria sindical e pesquisas relacionadas ao mundo do trabalho. Consultora de relações de trabalho. Autora do livro “Negociação Coletiva: trajetória e desafios” – Ed. RTM, Belo Horizonte, 2009. Link para acesso ao C. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1846541179701776
3 Vieira Junior, R. J. A. “A constitucionalidade da negociação coletiva no setor público brasileiro”. Textos para Discussão 135 Agosto/2013. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa. P. 26
4 Idem, ibidem, P.26
5 Idem, ibidem, P.26
6 Idem, ibidem, P.26
7 Idem, ibidem, P.27
8 Idem, ibidem, P.28
9 Idem, ibidem, P.28
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