Maria Bethânia comemora 50 anos de carreira com turnê brasileira
Quando Nara Leão visitou a cidade de Salvador, em 1965, encontrou Caetano que ainda não era o “Veloso” e sua irmã mais nova, Bethânia, e se encantou com a voz contralto da menina, de 17 anos, que cantava antes de ser cantora. Durante o encontro, Nara entregou duas canções de Zé Kéti para a menina aprender: “Acender as velas” e “Diz que fui por aí”. Meses depois, a baiana desconhecida substituiria a musa da bossa nova no “Show Opinião”, um dos primeiros espetáculos de resistência à ditadura civil-militar brasileira, e dirigido por Augusto Boal, no Rio de Janeiro.
Em uma das poucas entrevistas concedidas para programas televisivos, Bethânia relembra a mudança para o Rio de Janeiro e o início de sua carreira profissional. Com a autorização dos pais e a reprovação em Matemática, Bethânia poderia ir para o Rio de Janeiro, desde que fosse acompanhada pelo irmão Caetano. “Eu era uma menina, aos 17 anos, e menina naquela época era menina. Eu era virgem, minha mãe ordenava tudo para mim. Eu vivia com eles”, relembra durante o programa “Sarau”, da Globo News.
O “Carcará” delicado e afinado de Nara Leão foi substituído pela “águia do sertão” crua e indomada de Maria Bethânia que não voltou para a Bahia, após a temporada do “Show” como estava programado e se tornou uma das maiores intérpretes brasileiras. 50 anos depois, a canção de João do Vale ainda é interpretada por Bethânia, descalça, cabelos ao vento, com pulseiras e colares de ouro, mas a mesma voz contralto, talvez um pouco mais “polida”, não por aulas canto (nunca fez), pela experiência.
Além do “Carcará”
Nos palcos de boates cariocas, entre pedidos pelo “Carcará”, ela construiu sua identidade como intérprete, mais do que cantora, e lapidou o seu rigor musical, construído sobre a emoção. “Se emocionar, eu falo ou canto.” E falou pela primeira vez, ou melhor, declamou, no espetáculo do disco “Rosa dos Ventos”, lançado em 1971, dirigido por Fauzi Arap, autor e diretor brasileiro de peças teatrais e musicais, um dos grandes parceiros de Maria Bethânia.
No mesmo ano, além da aproximação com a literatura, especialmente dos textos de Fernando Pessoa e Clarice Lispector, que povoam os espetáculos desde esse período, Bethânia iniciou as parcerias musicais com dois “monstros” consagrados da Música Popular Brasileira (MPB): Vinícius de Moraes e Toquinho. O show gravado em Buenos Aires, em 1971, foi materializado no disco “En la Fusa” e deu início à amizade entre a baiana e o “preto mais branco do brasil”, como se auto intitulava Vinícius de Moraes.
“Doces Bárbaros” e as “ayabás”
Foi Vinícius que levou Bethânia ao Terreiro do Gantois pela primeira vez, em Salvador, comandado pela Mãe Menininha do Gantois. O sincretismo religioso brasileiro, a incorporação de aspectos de uma religião por outra, especialmente dos baianos, abriu um novo horizonte para Maria Bethânia, criada por católicos. “Como fui criada na religião católica, na minha casa tem Santo Antônio, Senhor do Bonfim, Santa Bárbara, Nossa Senhora da Purificação, a Sagrada Família, Deus Menino, tenho de tudo que é para minha adoração. E uma casa de santos para o candomblé, que não comporta imagens”, disse, em uma entrevista concedida a revista Playboy, em 1996.
Filha de “Iansã”, ou Santa Bárbara, Bethânia e Gal homenageiam as representantes femininas do candomblé no disco que leva o mesmo da canção “As Ayabás”, em 1976, lançado no mesmo ano do show e do disco “Doces Bárbaros”, que reúne os baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, além de Maria Bethânia.
“Álibi” e o “Ciclo”
Dois anos após “Os Doces Bárbaros”, o disco “Álibi”, de 1978, reúne composições de Gonzaguinha, “Explode coração”; “Diamante verdadeiro”, de Caetano Veloso; “Álibi”, de Djavan e “O meu amor”, participação de Alcione, “De todas as maneiras” e “Cálice”, de Chico Buarque e a última, em parceria com Gilberto Gil. Essa combinação de compositores reunidos em um único disco e a interpretação de Maria Bethânia rendeu à cantora o record de primeiro disco de uma brasileira com mais um milhão de cópias vendidas.
Apesar disso, o disco preferido é o “Ciclo”, de 1983, com o poema do mesmo nome do “professor Nestor”, musicado por Caetano Veloso. Nestor de Oliveira foi professor de Literatura de Bethânia e Caetano quando moravam em Santa Amaro, no interior da Bahia, cidade onde nasceram. Além de Nestor e dos irmãos, Seu Zezinho e Dona Canô, os pais, foram os principais influenciadores na vida cultural da família. O pai declamava poesia e a mãe cantava. Além da família e do professor, Dalva de Oliveira e Billie Holliday são sempre citadas como as inspirações para a vida, dentro e fora dos palcos.
Na turnê que comemora os cinquenta anos de carreira, iniciada no começo deste mês, no Rio de Janeiro, no show, divido em dois atos, Bethânia interpreta a sua própria carreira, ao escolher músicas de vários períodos, discos, e compositores, de maneira não-linear. “Dona do dom”, composta por Chico César para ela; “Motriz”, de Caetano Veloso e “Non, je ne regrette rien”, eternizada na voz de Edith Piaf, sintetizam algumas facetas da intérprete, que sempre se sentiu à vontade na “arena”, no palco.
Se interpretar “é entregar tudo. Não esconder nada”, como ela afirma, quem agradece a entrega e a generosidade em compartilhar a voz contralto é o público, os fãs, que não têm idade, cara, ou geração, mas tem sensibilidade para reconhecer o “dom” dado e exercido de maneira plena.
Quando Nara Leão visitou a cidade de Salvador, em 1965, encontrou Caetano que ainda não era o “Veloso” e sua irmã mais nova, Bethânia, e se encantou com a voz contralto da menina, de 17 anos, que cantava antes de ser cantora. Durante o encontro, Nara entregou duas canções de Zé Kéti para a menina aprender: “Acender as velas” e “Diz que fui por aí”. Meses depois, a baiana desconhecida substituiria a musa da bossa nova no “Show Opinião”, um dos primeiros espetáculos de resistência à ditadura civil-militar brasileira, e dirigido por Augusto Boal, no Rio de Janeiro.
Em uma das poucas entrevistas concedidas para programas televisivos, Bethânia relembra a mudança para o Rio de Janeiro e o início de sua carreira profissional. Com a autorização dos pais e a reprovação em Matemática, Bethânia poderia ir para o Rio de Janeiro, desde que fosse acompanhada pelo irmão Caetano. “Eu era uma menina, aos 17 anos, e menina naquela época era menina. Eu era virgem, minha mãe ordenava tudo para mim. Eu vivia com eles”, relembra durante o programa “Sarau”, da Globo News.
O “Carcará” delicado e afinado de Nara Leão foi substituído pela “águia do sertão” crua e indomada de Maria Bethânia que não voltou para a Bahia, após a temporada do “Show” como estava programado e se tornou uma das maiores intérpretes brasileiras. 50 anos depois, a canção de João do Vale ainda é interpretada por Bethânia, descalça, cabelos ao vento, com pulseiras e colares de ouro, mas a mesma voz contralto, talvez um pouco mais “polida”, não por aulas canto (nunca fez), pela experiência.
Além do “Carcará”
Nos palcos de boates cariocas, entre pedidos pelo “Carcará”, ela construiu sua identidade como intérprete, mais do que cantora, e lapidou o seu rigor musical, construído sobre a emoção. “Se emocionar, eu falo ou canto.” E falou pela primeira vez, ou melhor, declamou, no espetáculo do disco “Rosa dos Ventos”, lançado em 1971, dirigido por Fauzi Arap, autor e diretor brasileiro de peças teatrais e musicais, um dos grandes parceiros de Maria Bethânia.
No mesmo ano, além da aproximação com a literatura, especialmente dos textos de Fernando Pessoa e Clarice Lispector, que povoam os espetáculos desde esse período, Bethânia iniciou as parcerias musicais com dois “monstros” consagrados da Música Popular Brasileira (MPB): Vinícius de Moraes e Toquinho. O show gravado em Buenos Aires, em 1971, foi materializado no disco “En la Fusa” e deu início à amizade entre a baiana e o “preto mais branco do brasil”, como se auto intitulava Vinícius de Moraes.
“Doces Bárbaros” e as “ayabás”
Foi Vinícius que levou Bethânia ao Terreiro do Gantois pela primeira vez, em Salvador, comandado pela Mãe Menininha do Gantois. O sincretismo religioso brasileiro, a incorporação de aspectos de uma religião por outra, especialmente dos baianos, abriu um novo horizonte para Maria Bethânia, criada por católicos. “Como fui criada na religião católica, na minha casa tem Santo Antônio, Senhor do Bonfim, Santa Bárbara, Nossa Senhora da Purificação, a Sagrada Família, Deus Menino, tenho de tudo que é para minha adoração. E uma casa de santos para o candomblé, que não comporta imagens”, disse, em uma entrevista concedida a revista Playboy, em 1996.
Filha de “Iansã”, ou Santa Bárbara, Bethânia e Gal homenageiam as representantes femininas do candomblé no disco que leva o mesmo da canção “As Ayabás”, em 1976, lançado no mesmo ano do show e do disco “Doces Bárbaros”, que reúne os baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, além de Maria Bethânia.
“Álibi” e o “Ciclo”
Dois anos após “Os Doces Bárbaros”, o disco “Álibi”, de 1978, reúne composições de Gonzaguinha, “Explode coração”; “Diamante verdadeiro”, de Caetano Veloso; “Álibi”, de Djavan e “O meu amor”, participação de Alcione, “De todas as maneiras” e “Cálice”, de Chico Buarque e a última, em parceria com Gilberto Gil. Essa combinação de compositores reunidos em um único disco e a interpretação de Maria Bethânia rendeu à cantora o record de primeiro disco de uma brasileira com mais um milhão de cópias vendidas.
Apesar disso, o disco preferido é o “Ciclo”, de 1983, com o poema do mesmo nome do “professor Nestor”, musicado por Caetano Veloso. Nestor de Oliveira foi professor de Literatura de Bethânia e Caetano quando moravam em Santa Amaro, no interior da Bahia, cidade onde nasceram. Além de Nestor e dos irmãos, Seu Zezinho e Dona Canô, os pais, foram os principais influenciadores na vida cultural da família. O pai declamava poesia e a mãe cantava. Além da família e do professor, Dalva de Oliveira e Billie Holliday são sempre citadas como as inspirações para a vida, dentro e fora dos palcos.
Na turnê que comemora os cinquenta anos de carreira, iniciada no começo deste mês, no Rio de Janeiro, no show, divido em dois atos, Bethânia interpreta a sua própria carreira, ao escolher músicas de vários períodos, discos, e compositores, de maneira não-linear. “Dona do dom”, composta por Chico César para ela; “Motriz”, de Caetano Veloso e “Non, je ne regrette rien”, eternizada na voz de Edith Piaf, sintetizam algumas facetas da intérprete, que sempre se sentiu à vontade na “arena”, no palco.
Se interpretar “é entregar tudo. Não esconder nada”, como ela afirma, quem agradece a entrega e a generosidade em compartilhar a voz contralto é o público, os fãs, que não têm idade, cara, ou geração, mas tem sensibilidade para reconhecer o “dom” dado e exercido de maneira plena.
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