Relato de um Sobrevivente: uma história de resiliência e reflexão
O associado do TRT22, Cláudio César Barros, compartilha a mais recente história.
As palavras do associado Cláudio César Barros, servidor do TRT22, retornam ao nosso blog com a história “Relato de um Sobrevivente”, que narra a dramática experiência de Beltrano, único sobrevivente de um trágico acidente aéreo.
A sobrevivência de Beltrano traz uma profunda reflexão sobre a vida, a missão de cada um e o respeito pela dor alheia. Mesmo em meio à sua alegria por ter sobrevivido, ele escolhe honrar as vítimas e escolher ter um retorno discreto e respeitoso à vida normal.
Confira:
RELATO DE UM SOBREVIVENTE
Meu nome é Beltrano… e certa vez eu estava em um voo em um avião comercial com 265 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes.
Em um determinado momento, quando o avião já estava voando muito alto sobre uma floresta densa, percebemos um barulho forte na aeronave, logo em seguida o avião começou a tremer muito, todos ficaram apavorados, algumas pessoas gritando.
O comandante entrou em contato com todos presentes informando que houve uma pane nos motores e que teriam que fazer imediatamente um pouso forçado na floresta, pois estava longe de qualquer pista de aterrissagem. Pediu inutilmente calma e que seguíssemos as instruções dos tripulantes de como se comportar para o impacto.
Nessa hora o desespero tomou conta daquela aeronave. Os passageiros desesperados começaram a rezar e outros a gritar mais ainda. Um caos total.
Eu estava viajando sozinho, sem nenhum conhecido, e nessa hora passou um filme retroativo na minha cabeça e eu só pensava na minha família, na minha esposa e nos meus filhinhos, ainda criancinhas pequenas, pois o provedor da minha casa era apenas eu.
Bateu a angústia, mas tentei manter a calma e pensar na melhor maneira de tentar sobreviver.
O avião era muito grande e percebi que havia algumas poltronas vazias na parte traseira. Eu estava sentado no meio do avião, então resolvi mudar de lugar, pois acreditava que a parte de trás era um pouco mais segura para absorver o impacto.
Não demorou muito e percebi que o avião estava descendo muito rápido e se aproximando cada vez mais daquelas imensas árvores na floresta.
Pedi a Deus pela minha vida e também pela vida daquelas pessoas desconhecidas, mas também falei que minhas palavras era apenas um pedido, pois que fosse feita a sua vontade.
Após o meu pedido a Deus, não me lembro mais de nada, nem do impacto da aeronave com as árvores, pois apaguei completamente.
Hoje acredito que Deus me poupou da dor instantânea do exato momento da queda, e que eu só vinha a sentir esta dor ao acordar e perceber os meus graves ferimentos, com contusões e fraturas em diversas partes do corpo.
Olhei ao meu redor e vi a cena mais brutal e triste que um ser humano pode presenciar, com cadáveres ao meu lado e destroços de pessoas ao longo de um grande trecho desmatado pelo avião.
A dor pelos ferimentos era muito grande, então comecei a gritar por socorro e também para ver se tinha alguém vivo após o desastre. Mas logo percebi que estava sozinho naquela imensa floresta imponente. Então, naquele momento de angústia e solidão, tentei me acalmar e abrandar a dor mentalmente, agradecendo também a Deus por ter me poupado a vida.
Eu não podia sair dali para pedir ajuda, pois não podia andar porque estava com várias fraturas pelo corpo, inclusive nas pernas, mas tinha a esperança de sobreviver porque sabia que o socorro viria atrás daquela aeronave que não tinha chegado ao seu destino.
O tempo foi passando e as noites frias, insalubres e assustadoras consumiam a minha alma e a minha esperança. Eu estava muito fraco, desidratado e sabia que sem água não poderia viver por muito tempo. Era insuportável imaginar que poderia morrer daquela forma.
Foram longos três dias e meio de aflição e desespero quando ouvi o barulho de uma aeronave por perto, e logo escutei vozes humanas. Gritei desesperadamente para aquelas pessoas, até que um deles percebeu e veio ao meu encontro. Não suportei a alegria e chorei compulsivamente, igual a uma criança quando recebe o seu primeiro presente de Papai Noel.
Fui levado ao hospital de helicóptero pelos socorristas para avaliação e recuperação da gravidade das fraturas e dos hematomas.
Logo que cheguei ao hospital perguntei pelas outras pessoas que estavam no avião e fui informado que fui o único sobrevivente daquele terrível acidente aéreo. Naquele momento da notícia me veio um ponto de interrogação na minha cabeça, pois instantes antes eu estava alegre por terem me encontrado, mas agora estava muito triste por saber que mais nenhum outro passageiro ou tripulante havia sobrevivido. Então me perguntei: Como pode isto? Apenas eu ter sido poupado? Fiquei nas minhas elucubrações e depois percebi que tudo tem um propósito, nada acontece por acaso.
Passei outros longos quatro meses no hospital me recuperando, e quando saí da enfermidade minha família quis dar uma festa para comemorar, mas logo me veio a lembrança daquelas outras vidas perdidas no acidente e falei que não podíamos dar aquela festa porque não havia razão para comemorar apenas uma vida poupada enquanto que 264 outras pessoas pereceram no acidente.
Falei que a nossa alegria e o nosso sorriso diante da tristeza e do choro das famílias das vítimas na data da possível festa, seria como um alimento que deveria ser gostoso, mas que não contém sal, e o nosso contentamento era quase que uma afronta ao sofrimento daquelas outras pessoas.
Então concordaram e não fizeram a festa em respeito às vítimas e as outras famílias, mas apenas um bom recebimento fraternal de quem passou por uma grande dificuldade e um bom tempo se recuperando, mas que serviu de aprendizado e que interferiu profundamente no modo de ver e de encarar a vida.
Em toda esta história eu tiro uma conclusão: Deus só tira alguém daqui quando já completou a sua missão e acredito que eu ainda tenha muito a contribuir nesta vida.
E para o meu refrigério e conformismo, talvez aquelas pessoas que sucumbiram ao acidente aéreo naquele dia já tivessem completado a sua missão, e ele, Deus, apenas juntou todas elas numa mesma viagem de volta à pátria espiritual.
Cláudio César de Oliveira Barros
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