Estreia poética: as palavras de Enio Freitas ganham vida

Após três décadas dedicadas à escrita, servidor do TRT4 divulga primeira poesia.

20/03/2024 14:20
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Março de 1988. Uma data precisa na memória do associado Enio Freitas, servidor do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), por ser o início da vida poética enquanto autor. “Achava eu que nada podia ser dito em poesia que não fosse melhor dito em prosa – custei algum tempo para perceber o quanto de cadência e poesia, que não é uma mera coleção de versos, existe numa bela prosa. Então, peguei-me escrevendo meu primeiro poema por puro acaso. Gostei. Viciei”, destaca.

Mais de 30 anos depois, alguns livros e inúmeros versos, somente agora se permite compartilhar um pouco do que escreve. E o Espaço Cultural foi o local escolhido para ser o primeiro a publicar uma, logo mais abaixo o leitor poderá ser conduzido pelos versos de “Cão”, inspirado no cachorro de estimação Urso, que morreu em dezembro de 2023 aos 16 anos.

“Minha poesia vai do Modernismo àquilo que o Fernando definia como Decadentismo. Não há um tema principal. Mas, no limite, diria que eu trabalho o Ser e o Tempo, como definidos por Heidegger. Contudo, tento manter o Humour, característico de Pessoa (que na verdade nem o Cambridge Dictionary define tão bem), de Bandeira muito mais, até porque a Arte, seja Tragédia, seja Comédia, e até mesmo Farsa, tem de ser catártica. Ou seja, mostrar nossa fragilidade e rir de nosso ridículo. O vôo de Dédalo e Ícaro mostram bem essas duas faces: Gravidade e Elevação”, reflete Freitas

Entre as influências literárias, destacam-se nomes que vão de Fernando Pessoa a Augusto dos Anjos, de Schopenhauer a Henry Miller. No entanto, é com Pessoa que ele encontra seu "porto seguro". Mas Freitas também se aventura com Gullar, Quintana e outros, sempre buscando expandir o horizonte criativo.

Produção literária 

Ao longo de mais de três décadas de dedicação à escrita poética, ele já acumula alguns livros: A Cochonilha (1988/9); Orbe (prosa poética — 1992); Industria; Horológion; Antena Diabo; 101 Canções de Amor ; Gramado; e Azul Puro, Oblívio Óbvio.

Entre eles, destaca-se "Industria", uma obra que ele considera particularmente bem acabada e representativa de seu estilo. “Assim mesmo, sem acento, posto que na acepção latina do termo. Tenho um vago interesse em publicá-los. Mas se calhar de algum editor ou editora gostar do que eu escrevo, particularmente eu posso pensar mais seriamente na questão”, afirma.

Seu processo de criação não tem uma rotina fixa. Meses podem se passar sem que ele escreva uma palavra. “A poesia costuma me ‘pegar de assalto’, muitas vezes na forma de uma ideia, musicalidade ou esboço. E, então, passo a lapidar o texto por dias, ou anos.”

Mas a poesia para ele é mais do que uma forma de expressão artística, é uma terapia, uma maneira de suportar as vicissitudes da vida. Enquanto reflete sobre o papel da poesia na sociedade contemporânea, reconhece a concorrência com outras formas de mídia e influências, mas ressalta a importância dela na vida.

“Ainda que passe a ter um relativo peso do ponto de vista sociológico, creio que a poesia, desde Homero, sempre é um brado de revolta contra a condição humana, seja ela metafísica, seja existencial, seja social e política. Vale!”

Confira a poesia:

CÃO


p. Viviane Mosé


A Dor
De não ser amado...
A Dor de que não nos amem
Ou, amem de modo errado.
Sim! Porque o amor é caprichoso!


Insinuante, sinuoso.
Às vezes simples
Muito simples!
As vezes complexo!
Só o amplexo, por vezes
Satisfaz.
O amor é assim, assaz.
Por vezes chão, basta um bacio.
Por vezes cão, quer um ósculo.
Contudo...
Com Tudo?
Todo o amor,
Verdadeiro amor
(qualquer o que seja tal,


seja o que for)
Dá menos do que promete.
E Todo ele
Dá mais do que se merece!

O desejado objeto
Sempre é puro
No entanto o Sujeito completo,
Por isso impuro, impõe-se
E, então, os sonhos sonham-se.

Falo o que o meu desejo
Deseja. Até o Infinito
De desejar, que seja!
Se não, mentindo, de todo modo
Espero tê-lo dito.
Até o finito!

Lá fora, há a guerra...
E com este facto, o poema se encerra... Não!
Tão grave como a dor de todas aquelas gentes,
Uma dor de dentes.
Meus calos e a China...

A dor é própria de estar vivo.
Logo, a morte é o vagido do Silêncio
O mais próximo da alegria
Que nos cabe.

O amor, nos erra.
A dor nos sabe.

 

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